Quando cheguei, algumas pessoas (de Lima e outros voluntários) falaram-me sobre a necessidade de sair de Nieva de tempos a tempos. A estadia prolongada num ambiente tão isolado e desligado de tudo tende a alterar a nossa percepção do mundo... um pouco como um microcosmos com as suas próprias regras.
Viver no Instituto, afastado de Nieva, poderia amplificar esse efeito. Não estou sozinho, vivo com os jovens Awajún e partilho parte do meu dia-a-dia com eles, mas a sensação de isolamento existe.
A electricidade falha com frequência, a água vem da chuva, os únicos carros são os camiões que trazem comércio da costa e por aqui não há turistas...
Sabendo disto, quando em Agosto comentei com as Irmãs que estava a pensar viajar, não só me autorizaram como incentivaram a sair da selva pelo tempo que fosse necessário.
A Selva que não se conhece
Encontrei e falei com muitos peruanos durante a minha viagem que me agradeciam o facto de passar cá um ano da minha vida e ajudar o seu país.
Mas o que mais me marcou foi a sua falta de conhecimento sobre esta zona.
Bem sei que o Peru é um país enorme e são necessárias muitas horas de viagem para chegar a alguns locais, mas surpreendeu-me a ausência de interesse por uma área geográfica tão extensa.
Esta ausência começa pelo governo, passa pela comunicação social e termina na opinião pública. A última vez que o Departamento Amazonas foi notícia, isso aconteceu pelos piores motivos: o conflito Baguazo.
O presidente de então aprovou uma lei que permitia a empresas estrangeiras explorar minério e petróleo na selva Peruana sem escutar a opinião das comunidades indígenas. Isso levou a muitos protestos nesta zona e cortes de estrada que impediam o fornecimento de petróleo ao resto do país... e especialmente a Lima. O país só acorda quando Lima é afectada.
Esses protestos escalaram e deram origem a confrontos entre os ndígenas e as forças policiais. Infelizmente o pior aconteceu e os números oficiais apontam para 33 mortos... mas há quem diga que o número é superior.
Os confrontos ocorreram perto de Bágua (ponto 3 do mapa abaixo), daí o nome pelo qual ficou conhecido.
Quando na minha viagem falava na Região Amazonas ou Província de Condorcanqui, ninguém conhecia ou sabia onde ficava. Mas quando dizia que a cidade mais próxima era Bágua... alguns recordavam e conseguiam localizar a zona.
Citando o Padre Evaristo, um jesuíta Peruano que chegou à selva há mais de 30 anos, a relação do Governo Peruano com a selva:
- Ausência de presença durante décadas... principalmente até aos anos 90. Esta parte do país era como se não existisse.
- Devido aos conflitos pelos recursos naturais tranforma-se em presença repressiva, com forças policiais e militares. 
- Por inabilidade em entender e controlar as populações nativas, por fim, temos uma presença inútil. As entidades oficiais estão presentes, mas muito desligadas da realidade local.
O Mundo que não se conhece
Este distanciamento entre a selva e o Peru também se observa nos jovens com que vivo. Os seus horizontes e visão de mundo são muito limitados e entendo como parte da minha missão abrir janelas e expandir a sua consciência para todo um planeta cheio de países, idiomas, cheiros e cores diferentes.
Podem usar telemóvel e ter conta de facebook, ver vídeoclips de cantores americanos e usar os bonés com brilhantes que vêm na TV... mas a maioria destes jovens durante toda a sua vida não viajarão mais longe que Bágua ou Jaén (pontos 2 e 3 do mapa).
A pergunta que logo fizeram depois de regressar foi quanto tinha gasto: 1.000? 5.000? 10.000?
Esta preocupação com o custo monetário é uma constante. Desde a máquina de fotografar à máquina de barbear, a única pergunta é saber quanto custa.
O meu orçamento era muito limitado e sempre que possível, usando a rede de Voluntariado, fiquei alojado com Jesuítas que estão espalhados por todo o país. Utilizei os Autocarros mais baratos e era geralmente o único não peruano entre os passageiros.
Na realidade ficaram surpreendidos com os valores que lhes disse, por serem mais baixos do que pensavam.
- Dormia em Hostels, com banho de água quente(!) por 30 S/. (8€)
- De Puno a Cuzco, de autocarro numa viagem de 8 horas paguei 25 S/. (6,5€) e de Jauja até Lima paguei 20(!) S/. (5€)
- Refeições completas por 7 S/. (2€)
Com estes valores, alguns surpreendidos, chegaram a dizer que até conseguiriam viajar e conhecer algumas zonas fora da selva. Um dia de tabalho numa "chacra" em Nieva paga aos jovens 30 S/.
Espero que sim, que em breve alguns destes jovens decidam viajar e percorrer o seu país, porque um estrangeiro lhes mostrou que era possível.
Queres ajudar-me a permanecer no Perú? Porque preciso de ajuda.
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