O que fica

Depois de 11 meses a viver com jovens Awajún na selva amazónica peruana.

Publicado Sexta, 15 de Dezembro de 2017


No último dia de aulas e agora que estou quase a regressar a casa, deixo um pouco do que aprendi e vivi por cá.

Fica um ano intenso de interculturalidade.

Estas comunidades vivem em simplicidade e em comunhão com a natureza. Não têm hábitos de agricultura ou criação de animais. Limitam-se a recolher o que o território dá e a caçar os animais em estado selvagem.
Mas os tempos estão a mudar... o aumento da população aumenta a pressão sobre o território e os animais começam a escassear. Os rios estão cada vez mais poluídos e já não se pode beber directamente sem um tratamento prévio.
A construção da estrada há 4 anos aumentou muito a entrada de mestizos comerciantes, os roubos aumentaram e os telemóveis são uma constante.
As selfies, whatsapp e o facebook são coisas normais por cá. E isto misturado com pessoas que não falam castelhano e vivem numa barraca de 4 estacas e umas folhas de plátano como teto.

A minha formação académica e profissional é na área tecnológica mas aqui vivi uma interculturalidade genuína. Não sou antropólogo, mas se o fosse este seria um destino de sonho. Cruzei-me com alguns investigadores peruanos e europeus e todos nos apercebemos do privilégio de assistir ao vivo à transformação a que os indígenas Awajún estão sujeitos neste início de século XXI.

Essa transformação nem sempre é positiva e o mundo ocidental "desenvolvido" tem muita responsabilidade nas dores de crescimento.

Fica um ano de trabalho com jovens do Instituto

O meu trabalho diário em aulas foi importante e proveitoso para os jovens que estudam no Instituto. Mas a minha presença no Internato foi o mais marcante.
Simplesmente "estar" presente e fazê-los sentir que há pessoas que se preocupam e se interessam por eles.
Dizer que aprendi muito mais do que ensinei é pouco para o que levo desta convivência diária.
Tive momentos de alegria e de tristeza, de frustração e de realização. Mas para eles, agora que começamos as despedidas, vejo que fica um pouco de mim neste pedaço de selva.

Aprenderam que com planificação se consegue fazer muito mais.
E acima de tudo ganharam noção de mundo e aprenderam que este planeta é muito grande e há muita gente noutros pueblos que falam outros idiomas e que é possível viajar e aprender sempre mais.

Os Awajún tradicionalmente não pensam muito no seu futuro e vivem para o imediato. Mas estudar num Instituto serve também para lhes incutir essa perspectiva de futuro e de ver "mais além".

Levo comigo

Aprendi que ser voluntário significa capacitar outros acima de executar.

Doar um ano da minha vida para estar com quem necessita não representa nada, comparando com a missão de vida das Hermanas que me acolheram este ano.
Um ano representa uma parte ínfima em tudo o que espero viver durante a minha existência, mas a sua dedicação de vida total e incondicional a estas comunidades foi uma verdadeira inspiração.

Com elas vivi e aprendi que é sempre possível perdoar. Sempre.
Aprendi que o amor incondicional ao próximo é a base de qualquer pedagogia. A pedagogia do amor.
Aprendi o que é estar disponível 24h para outro e colocá-lo sempre em primeiro ligar. Imagino que um pai entenda bem estas palavras.

Conheci o projecto social educativo dos Jesuítas "Fe y Alegría" presente em todo o mundo, mas com mais projecção na América Latina e África.
Fazer parte da família Fe y Alegría recordou-me a paixão que senti quando comecei a dar aulas. O sentimento de profunda felicidade em fazer outros crescer.

Este ano serviu também de reflexão e avaliação do que vivi nos meus primeiros 40 anos.

E servirá de guia para os próximos 40, com energia renovada.

 

 

 

 

 

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